terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Viola Brasileira

Este texto saiu na contra capa do Lp Bach na Viola Brasileira, lançado pela gravadora Fermata, em 1971, de autoria do compositor e maestro Ascendino Theodoro Nogueira, que realizou as transcrições. O disco foi gravado pelo músico Geraldo Ribeiro.






"A nossa viola, instrumento folclórico, predileto do nosso caipira ou sertanejo já existiu há 2.500 antes de Cristo. A viola foi difundida pela Europa graças aos trovadores. E o primeiro método para seu estudo, Guitarra espanhola, y yandola, teve sua publicação em Barcelona, no ano de 1586. A viola estudada nesse método é semelhante à nossa viola de cinco cordas duplas.


O primeiro tratado de viola elaborado para se aprender o estilo "rasgueado" ou como dizemos, rasqueado, publicou-se em Lisboa em 1752, e chama-se Dona Policárpia, mestra da viola. Servia para o aprendizado da viola portuguesa ou de ninfas, de cinco cordas duplas.



Em 1789, foi publicado, ainda em Portugal, o segundo tratado, que se intitula Nova arte de viola, de Manuel da Paixão Ribeiro. No prefácio o autor escreve: "Viola... instrumento mais belo que o cravo".



A afinação da viola foi estabelecida pelo grande novelista, poeta e musicista Vicente Espinel. Era natural de Ronda, Málaga, e viveu entre 1551 e 1634. Esta afinação é idêntica a usual na viola brasileira.



Existe no Museu do Conservatório de Paris uma viola igual à caipira, construida pelo célebre Antonio Stradivarius, em 1680. Verificar na capa da revista Guitar News, em abril de 1963.



A modificação no formato da guitarra para violão foi feita por Genaro I, de Nápoles, que viveu por volta de 1773, Ele acentuou a cintura do instrumento o que foi adotado pelo violão, instrumento que só no Brasil tem esse nome. Nos demais, continua a se chamar guitarra.



Com estes dados e documentos e milhares de outros que se acham nos tratados de história da arte, chegamos à conclusão de que guitarra italiana, guitarra espanhola, guitarra francesa, viola portuguesa, viola brasileira foram nomes diferentes de um mesmo instrumento.



A viola foi trazida para o nosso país pelos portugueses e apesar de ser um instrumento nobre permaneceu por aqui entre os caipiras e sertanejos. A viola que atualmente se usa na cidade e que é produzida pelas fábricas de instrumentos não passa de um violão encordoado, com cinco cordas duplas. Apesar de ser difundido por todo território ou pelo menos quase todo até agora não existe um método para seu aprendizado no Brasil. Por isso, desejando compor música para viola, tive que adquirir um exemplar, para estudá-la. Estabeleci à maneira de escrever para ela, usando clave de sol e clave de fá, em virtude dos tons oitavados e uníssonos. Do livro Folclore de São Paulo, melodia e ritmo, de Rossini Tavares de Lima, extraí um modelo de viola folclórica e Antônio Carlos Barbosa de Lima providenciou a fabricação por Giannini. Sugeri ao talentoso Antônio Carlos Barbosa de Lima, que elaborasse um método baseado nas escalas e ritmos brasileiros, sendo este o primeiro escrito para o estudo da viola, no país.



A fabricação varia de violeiro para violeiro. Cada violeiro pode fabricar, afinar e tocar o instrumento à sua maneira. As cordas são de metal branco, amarelo ou são bordões. Os nomes são: canutilho, tuêca, turina, verdegal ou sobreturina. Verdega, segundo o dicionário, é corda de viola usada em vara de pesca. No Brasil, há viola de 12 cordas, que é a mesma de 10, com dois sons duplicados. Até 10 trastes, a extensão chama-se meia-regra e passando de 10, regra inteira, como no modo europeu.



Apesar de existir mais de 20 afinações de viola, no Brasil, a que predomina é: lá, ré, sol, si, mi. A afinação melhor para o compositor trabalhar é aquela que apresenta as cordas lá e ré, afinadas em oitavas, e sol, si e mi, em uníssono. Além das afinações, há os modos de viola: são acordes tradicionais sobre I, IV e V graus. O melhor trabalho divulgado no país sobre os modos da viola foi realizado por Rossini Tavares de Lima, em Piracicaba. Aproveitando esses modos, compus seis prelúdios nos modos da viola. Para cada modo, o violeiro caipira costuma fazer, uma nova afinação. Entretanto, na afinação lá-ré-sol-si-mi podem-se perfeitamente tocar todos os modos. O violeiro costuma colocar a nota grave em cima e a aguda em baixo, naturalmente para ter melhor apoio quando toca com o polegar. A nossa viola serviu até hoje para acompanhar congada, cana-verde, dança de São Gonçalo, cateretê, cururu, fandango, folia de Reis, folia do Divino, modas de viola e outras manifestações do nosso folclore.



Relação dos nomes dados aos modos e afinações da viola: quatro dedos, paulista, promeio, quatro pontos, cebolão, goiano, G não três, rio abaixo, goianinha, cebolinha, oitavado, castelhano, tempero mineiro, temperão, som de guitarra, cana-verde, do sossego, ponteado do Paraná, travessado, vencedora, conselheira etc. Por três razões os violeiros inventaram várias afinações: 1º) para mexer o menos possível os dedos; 2º) Por não saberem fazer os modos numa só afinação; 3º) para conseguir o maior número de cordas soltas, obtendo maior sonoridade no rasqueado.



A viola pode ser executada da mesma maneira que o violão executa-se rasqueando ou ponteando. O nosso rasqueado é bem diferente do flamengo. É de bom efeito o uso dos sons harmônicos, pizzicatos, som metálico e doce. A viola tem muito mais sonoridade que o violão e assemelha-se ao cravo.



Na música folclórica, o violeiro em geral toca em terças e no modo maior. Prefere o maior que revela masculinidade. A harmonia é tonal e em algumas regiões do país usa-se o modalismo, especialmente no Nordeste. As composições eruditas para viola devem ser originalmente escritas para ela. Há pouca possibilidade de se fazer transcrição, devido aos sons oitavados.



Opiniões do cabloco sobre o instrumento — Um violeiro de Rio Preto afirmou que a viola para ser boa tem que ser feita com cedro de baixada. Esta madeira tem o "tino" muito mais bonito que o cedro do morro. No morro, a árvore é muito judiada pela chuva de pedras e pelo vento, o que faz som da viola feita desta madeira ficar "neurastênico". Indaguei de um violeiro de Mato Grosso qual a nota mais aguda do instrumento e ele me respondeu. A nota é o "ré-mi-fó" (ré-mi-fá). O violeiro Palmiro Miranda, de Sorocaba, diz que o segredo do som da viola està na cola. Tem que ser colada com uma resina, que para descolar precisa uma junta de bois. O mesmo violeiro afirma que o quinto trasto do instrumento é o ponto falso. A gente afina, afina e ele continua desafinado. Para ajustá-lo, é preciso temperar a viola. Outro instrumentista de Araraquara, o violeiro Freitas, disse-me que a viola é afinada até à meia-noite. Depois, o sereno da noite e a ressaca da pinga seguram a afinação.



Graças ao nosso caipira ou sertanejo, a viola nobre de 2.500 anos antes de Cristo continua cantando as misérias e a grandeza da nossa terra.



Quero agradecer ao professor Rossini Tavares de Lima por haver sugerido que eu fizesse um estudo da viola, a fim de apresentá-la como instrumento de música erudita, e assim também todo o material que colocou à minha disposição: pesquisas da Comissão Paulista de Folclore no litoral norte, observações levadas a efeito em Franca por Marina de Andrade Marconi e as considerações de Luiz Heitor Correia de Azevedo sobre a viola cearense e a goiana. Também agradeço ao maestro Armando Belardi que se prontificou, desde o início, a apresentar as obras que eu escrevesse para viola, em concerto público, e ao meu colaborador Antônio Carlos Barbosa Lima, o maior violeiro erudito da atualidade e autor do primeiro método feito no Brasil para aprendizado do instrumento. Afinal, também desejo deixar aqui meus agradecimentos a Mozart de Araújo, que teve a gentileza de enviar-me uma fotografia do primeiro método de viola publicado em Portugal e ao professor Isaías Sávio, que me forneceu várias fotos que ilustram estas anotações."

Nenhum comentário: